Homem encantado que vive na lagoa de Paranaguá, da vila do mesmo nome, ao sul da província do Piauí. É alvo, de estatura regular, os cabelos avermelhados, de tempos a tempos sai a aquecer-se ao sol e deita-se na areia à margem da lagoa. Quando ele sai da água mostra as barbas, as unhas e o peito todos cobertos de lodo e limo. Em outro tempo ele costumava aparecer freqüentemente, e muitas pessoas tiveram ocasião de se encontrarem frente a frente com ele, o que era logo sabido por todos os habitantes da vila, que, cheios de assombro, narravam o fato de boca em boca. Todos temem o Barba-Ruiva, como um ente encantado, mas é inofensivo, pois não consta que ele fizesse mal a alguém, apesar dos constantes encontros em terra.
Muitas vezes algumas pessoas que iam tomar banho ou simplesmente passear nas margens da lagoa, encontravam-se com o Barba-Ruiva e, tomando-o por outra pessoa, dirigiam-lhe a palavra; se era homem, o Barba-Ruiva não dava resposta; dirigia-se lentamente para a lagoa e desaparecia nas águas. Compreendiam então que falavam com um encantado; aqueles que tinham um pouco de coragem corriam para a vila a noticiar o caso, e os que eram medrosos aí mesmo caíam sem sentidos. Se era, porém, mulher, que se dirigia para a lagoa, o Barba-Ruiva ocultava-se para que ela se aproximasse sem receio e, logo que ela estava perto, atirava-se sobre ela, não com o fim de ofendê-la, mas de abraçá-la e beijá-la. Por isso não há mulher que queira ir sozinha à beira da lagoa.
A história da origem do Barba-Ruiva é conhecida em quase todo o sul do Piauí. Relatou Dona Damiana, moradora da localidade:
"Não está vendo esta lagoa? Pois bem, é encantada e algum dia ela há de crescer tanto, que encobrirá toda esta vila e todos nós morreremos afogados. Antigamente não havia esta lagoa, em seu lugar era uma imensa mata de carnaubeiras, cortada por um riachinho. A água que a gente daqui bebia era tirada de cacimbas, cavada à beira do riacho. Numa ocasião, uma moça, tendo ido buscar água nas cacimbas, inesperadamente deu à luz a um menino, que, por não lhe convir que sua mãe soubesse e não conhecendo o amor materno, atira desapiedadamente a pobre criança em uma cacimba cheia d'água. Isto foi bastante para tornar aquele lugar encantado; logo no outro dia, as águas do riacho tinham crescido tanto que já encobriam todas as cacimbas. Em menos de uma semana aquela mata de carnaubeiras tinha sido substituída por aquela lagoa, que ameaçava de uma hora para outra engolir toda a vila, assim como já tinha engolido uma parte. Logo nos primeiros tempos era horrível a vida naquele lugar, principalmente para quem vivia perto da lagoa, porque durante a noite ouvia-se um barulho infernal saído do fundo do lago; ora era o ruído de pratos, uns contra os outros, ora o relinchar de cavalo e tudo isto acompanhado do choro de uma criança. Muitos anos depois, apareceu pela primeira vez um homem saído da lagoa, que, pela cor avermelhada de seus cabelos, apelidaram-no o Barba-Ruiva. Conheceu-se então que é o filho daquela mãe desnaturada, que o atirou na cacimba, e que foi ele o gerador daquela lagoa encantada.”
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