Para amar uma ruiva é preciso haver
coração de sobejo.
Não que as ruivas não se amem
facilmente. Na verdade, é comum que sejam amadas por muitos. Basta às vezes um
só olhar para que isso aconteça.
É que, uma vez acesa a chama, nunca
será pequena; será sempre fogo denso, impiedoso, inquisidor.
Portanto, para amar uma ruiva é
preciso saber queimar. É preciso brincar sem medo com fogo. E é preciso também
respeitá-lo – o fogo que nasce no crânio da ruiva feito cabelo, que lhe
afogueia as faces. Um fogo que, quando afrontado, em lugar de aquecer,
incinera.
Judas tinha cabelos vermelhos, diz-se;
como Esaú também os tinha, e antes dele, Caim. Waterhouse pintou Lamia, lenda
de sedução, com cabelos vermelhos; as madeixas com que a Vênus de Boticcelli
cobre languidamente o sexo não são de outra cor que não a do fogo. Cor que é
certamente um sinal de perigo. Sinal claro de divindade.
Para amar uma ruiva é preciso fitá-la
intensamente nos olhos – sejam azuis do mar, verdes dos fiordes ou, mais
raramente, castanhos como a terra que os consumirá – e provar-lhe a ausência do
medo. Conquistá-la no olhar primeiramente, e só depois no toque – pois tu
certamente quererás tocar a pele muito, muito clara, de uma claridade quase
ofuscante, mesmo sob o sol maldoso dos trópicos. Quererás isso como teus
pulmões querem o ar. Eu sei porque já quis.
Mas, antes disso, terás de provocar
seu sorriso, e embora sorrisos sejam fáceis na boca-morango da ruiva, não
penses que serão todos teus. Alguns serão da tua tolice, da tua presunção, e
estes ela te dará sem cerimônia, sem promessa, sem futuro. Serão paina ao
vento, macios e inúteis. O sorriso que queres tomar da ruiva é o do fascínio.
Pois ela, que fascina, não quer outra coisa que não ser fascinada. Ela é chama,
e para incendiar deve ser alimentada com palavras hábeis, coração honesto,
virilidade sem disfarces. É preciso atrevimento, mas nunca certeza; ela é amada
por muitos, e pode escolher a quem amar.
Então, quando obtiveres esse sorriso,
estarás pronto para amar uma ruiva.
Para isso, começa sempre no beijo, mas
que ele não seja sempre nos lábios-cereja, porque o óbvio a mortifica e ela
deseja a surpresa, o ato que lhe faça justiça. Que teu beijo, pois, seja às
vezes na superfície interna do pulso, onde veias de sangue azul chamam o olhar
e provam que a pele é sensível; às vezes, no canto esquecido abaixo da orelha,
que não é nem pescoço nem face, nem amor nem desejo – é algo entre mundos, e
estar entre mundos é da natureza da mulher de cabelos carmesim, cobre ou
dourado-fogo. Fica, pois, entre os mundos dela, como entre os lábios, entre os
braços, entre os seios e afinal entre as coxas. Sem pressa, porém; pois para
amar uma ruiva é preciso queimar como boa madeira no inverno: por toda uma
noite, aquecendo a casa, crepitando baixo, estremecendo sempre até as cinzas.
Para amar uma ruiva é necessário
amar-lhe cada sarda, da testa ao ventre, saboreando-as como raspas de canela
que temperam a pele-leite.
É preciso consumir-se nos cabelos-labareda.
É preciso afogar-se no sexo, rubro
jardim sem espinhos, e santificar seu aspecto perpetuamente virginal, a
despeito do pecado, que ela te ensinará a adorar, se já não souberes.
Para amar uma ruiva – e disso sei por
já ter amado muitas – é preciso arder com graça.
É preciso amar um pouco o próprio
inferno.
Por isso, ruiva, se é que deves mesmo
me ferir, sê breve: tenho pressa do paraíso.
Uau!!!
ResponderExcluirObrigada por ter gostado do meu texto e publicado com os devidos créditos. :-)
ResponderExcluirNossaaaaaa incrível!!
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